sábado, maio 20, 2006

O Grande Pecado

Agora vamos abordar aquela parte da moral cristã que se difere mais nitidamente das outras morais. Há um pecado do qual ninguém neste mundo escapa; um pecado que todos detestam nos outros, e do qual quase ninguém, exceto os cristãos, tem consciência que comete. Sei de pessoas que admitem ter mau gênio, que sabem que perdem a cabeça em se tratando de mulher ou bebida, e que reconhecem até mesmo que são covardes. Mas esse pecado de que estou falando, acho que nunca encontrei ninguém, não cristão, que admitesse tê-lo praticado. E, ao mesmo tempo, como é difícil encontrar pessoas (não cristães) que demonstrem um mínimo de benevolência pra com os que o cometem! Não há falta que torne a pessoa mais impopular, nem falta de que tenhamos menos consciência, em nós mesmos. E quanto mais tivermos essa falta em nós mesmos, tanto mais ela nos desagradará nos outros.
O pecado a que me refiro é o orgulho ou presunção; a virtude que lhe é oposta, na moral cristã, chama-se humildade. Talvez vocÊ se recorde de que, ao falar da moral sexual, disse que estã não constituía o centro da moral cristã. Bem, agora chegamos ao centro. De acordo com os mestres do Cristianismo, o pecado principal, o supremo mal, é o orgulho. A falta de pureza, a ira, a ganância e tudos mais... comparado a ele são ninharias. Foi pelo orgulho que o demônio se tornou demônio. O orgulho conduz a todos os outros pecados: é o mais completo estado da alma anti-Deus.
Você acha que eu estou exagenredo? Se acha, pense bem no caso. Observei há pouco que quanto mais orgulho se tem, mas esse pecado nos desagrada nos outros. De fato, se quisermos descobrir o quanto somos orgulhosos o método mais fácil é perguntar a nós mesmos: "Quanto me desagrada ver os outros me desprezarem, recusarem-se a me dar qualquer atenção, intrometerem-se em minha vida, tratarem-me com ares paternos, ou se exibirem com ostentação?" O problema é que o orgulho de cada um compete com o orgulho de todos os demais. É porque eu queria ser o "destaque" da festa que me aborreço todo, quando um outro é que ficou com a proeminência. Dois bicudos não se beijam. Bem, o que pecisamos ver claramente é que o orgulho é essencialmente competidor; é competidor por sua própria natureza, enquanto que os outros pecados são, por assim dizer, competidores apenas por acaso. O orgulho não sente prazer em possuir algo, mas apenas em possuir mais do que o próximo. Dizemos que alguém tem o orgulho de ser rico, ou de ser inteligente, ou de ter boa aparência, mas não é assim. A pessoa tem o orgulho de ser mais rica, mais inteligente, ou melhor de aparência do que os outros. Se todo o mundo se tornasse igualmente rico, inteligente ou de boa aparência, não haveria nada do que se orgulhar. É a comparação que nos torna orgulhosos: o prazer de estar por cima dos outros. Não havendo o fator competição, o orgulho desaparece. Esta é a razão pela qual eu disse que o orgulho é essencialmente competidor de uma maneira em que os outros pecados não o são. O instinto sexual poderá levar dois homens a competição, se ambs desejarem a mesma garota. Mas isso é apenas acidental; poderiam da mesma forma ter desejado duas garotas difetentes. Contudo o homem orgulhoso procurará tirar a garota do outro, não porque a queira, mas pra provar a si mesmo que é melhor do que o outro. A ganância poderá levar à competição se não houver o bastante para todos; mas o orgulhoso, mesmo depois de ter mais do que desejava, tentará conseguir ainda mais para afirmar o seu poder. Quase todos os males do mundo atrubuídos à ganância ou ao egoísmo são, na verdade, muito mais resultado do orgulho.
Exemplifiquemos com o caso do dinheiro. A ganância certamente fará com que se deseje dinheiro para ter uma casa melhor, melhores férias, melhores alimentos e bebidas... Mas até certp ponto. O que é que faz um executivo, que já ganha muito dinheiro, ficar ansioso por ganhar ainda o dobro? Certamente não é a ganância de maiores prazeres. O que ele ganha dá para comprar todos os bens que se possa usufruir. É oorgulho, o desejo de ser mais rico do que alguém que também é rico, e (mais ainda) o desejo de ter poder. Porque é no poder que o orgulho mais se deleita. Não há nada mais que faça alguém se sentir superior em relação aos demais do que o ser capaz de movê-los como soldadinhos de chumbo. O que é que faz com que uma bela mulher espalhe tristeza por onde passa, pelo simples fato de despertar adimaradores? Não é , certamente, seu instinto sexual. É o orgulho, O que é que faz um líder político, ou toda uma nação, prosseguir indefinidamente querendo cada vez mais? Ainda o orgulho. O Orgulho é competidor por natureza; por isso ele não para nunca. Enquanto existir no mundo alguém mais poderoso, ou mais rico, ou mais inteligente de quem seja orgulhoso, esse será ser rival e inimigo.
Os cristãos têm razão: o orgulho tem sido a principal causa da miséria em todas as noções e em todas as famílias desde que o mundo é mundo. Outros pecados ás vezes podem unir as pessoas: pode-se encontrar companheirismos, brincadeiras e afabilidade entre os que se dão a embriaguez ou que são devassos. Mas o Orgulho sempre significa inimizade: é inimizade. E não apenas inimizade entre um homem e outros, mas inimizade contra Deus.
Em Deus, vamos contra algo que nos é infinitamente superior em todos os aspectos. A menos que reconheçamos a Deus como tal e, portanto, que reconheçamos a nós mesmos como um nada em comparação a Ele, não conhecemos a Deus, absolutamente. Enquanto permanecermos oggulhosos, não poderemos conhecer a Deus realmente. Um orgulhoso está sempre olhando de cima para pessoas e coisas; e, é claro, quem está olhando para baixo não pode ver o que está acima de si mesmo.
Surge então um terrível problema. Como é possível haver pessoas evidentemente corroídas pelo orgulho, que dizem crerem em Deus, e que se têm na conta de muito religiosas? Em muitos casos pode ser que adorem a um Deus imaginário. Teoricamente admitem que nada são em relação a esse Deus fantasma, mas estão sempre a imaginar que em tudo são por Ele aprovadas, e que por ele são consideradas muito melhores do que as pessoas comuns. Ou, então, tributam um mínimo de humildade imaginária a esse Deus, e tiram disso um máximo de orgulho em relação a seus semelhantes.
Qualquer um de nós pode cair nesta armadilha mortal a qualquer momento. Felizmente temos um teste a nossa disposição. Se acontecer de acharmos que a nossa vida espiritual nos faz pensar que somos bons, ou que sobretudo, nos faz pensar que somos melhores do que ou outros, podermos ter certeza de que Deus não está atuando em nossa vida, mas sim o demônio. A verdadeira prova de estar na presença de Deus é o fato de nos esqucermos completamente de nós mesmos, ou de nos considerarmos um pequeno e vil objeto. É preferível esquecer-nos completamente.
É terrível que o pior dos pecados possa penetrar sorrateiramente até atingir bem o centro do nossa vida espiritual! Mas pode-se saber a razão. Os outros pecados provêm da atuação do diabo em nossa natureza animal. Mas este não penetra através da nossa natureza animal, absolutamente. Vem diretamente do inferno! É puramente espiritual e, conseqüentemente, muito mais sutil e mortal. Também, por causa disso, o orgulho pode ser usado muitas vezes para derrotar os pecados mais simples. Os professores apelam muitas vezes ao orgulho (ou, como dizem ao "amor-próprio" ) dos seus alunos, para que procedam de forma apropriada; muita gente tem vencido assim a covardia, a luxúria e o mau gênio, aprendendo a pensar que essas coisas não condizem com a sua dignidade, ou seja, é por orgulho que procedem! O demônio ri! Ele fiza muito contente ao ver alguém casto, corajoso e controlado, contanto que esteja construindo na pessoa a ditadura do orgulho. É como no cado de que ele ficaria muito contente por ver alguém curado de um resfriado, se lhe fosse possível dar em troca o câncer. Porque o orgulho é um câncer espiritual: devora toda a possibilidade de amor, de contentamento ou até mesmo de senso comum.
Antes de deixar este assunto, preciso precaver-me contra alguns mal entendidos:
(1) O prazer de ser "louvado" não é orgulho. A criança que recebe senais de afeto por ter feito bem a lição: a mulher cuja beleza é louvada por aquele que a ama; a alma quefoi salva e a qual Cristo diz: "Muito bem, servo bom e fiel" - todos esses são, e devem ser agraciados. Pois aqui o prazer reside não no que somos, mas em agradar a quem desejamos (com toda razão) agradar. O mal começa quando, depois de pensarmos: "Eu agradei, que bom", passarmos a pensar: "Como eu sou bom, já que agi assim!" Quanto mais nos comprazemos em nós mesmos, e menos no louvor, tanto pior nos tornamos. Quando nos coprazemos totalmente em nós mesmos e nâo nos importamos mais com o louvor, atingimos o fundo.
É claro que é certo, e muitas vezes é nosso dever, não nos importarmos com o que os outros pensam de nós, se assim procedermos por uma razão justa: por nos importarmos muitíssimo mais com o que Deus pensa. O orgulhoso, porém tem outra razão para não se importar. Diz "Por que devo me importar com o aplauso dessa plebe rude, como se a opinião dela fosse de algum valor? E mesmo que tivesse algum valor, eu não sou do tipo que se ruboriza de alegria por causa de um elogio, como uma adolescente com o seu primeiro namorado. Sou uma personalidade formada, adulta. Tudo o que fiz para realizar os meus própios ideais, ou minha consiência artística, ou tradições da minha família ou, numa palavra, porque sou assim mesmo. Se a turma aprecia o que eu fiz, tudo bem... Um orgulho radical pode agir, assim, como um freio sobre a vaidade porque, como disse há pouco, o demônio gosta de "curar" uma falta pequena dando outra maior. Devemos procurar não ser vaidosos, mas nunca devemos convidar o orgulho pra curar a nossa vaidade.
(2) Dizemos muitas vezes que fulano tem "orgulho" de seu filho, ou de seu pai, ou de sua escola... a pergunta que surge é: "orgulho", nesse sentido é pecado? A resposta vai depender do que queremos dizer com a palavra "orgulho". Muitas vezes empregamos esta palavra para dizer que "temos uma grande admiração de todo o coração". Tal sentimento está muito longe de ser pecado. Mas pode acontecer que a pessoa em questão se ache muito importante por teu um pai ilustre ou por estar num famoso colégio... Isso já é um erro grave; mas é melhor do que simplesmente ter orgulho de si mesmo. Amar e admirar algo que não seja a própria pessoa é recuar um passo da total ruína espiritual; todavia não estamos nada bem se amamos e admiramos algo mais do que a Deus.
(3) Não se deve pensar que o orgulho seja algo que Deus nos proíbe porque o ofende, ou que a humildade sej algo que Ele exige, em função da sua própria dignidade, como se o próprio Deus fosse orgulhoso. Ele não está absolutamente preocupado com sua própria dignidade. A questão é que Deus quer que o conheçamos, quer se dar a nós. E nós somos feitos de tal modo que, se realmente tivermos qualquer espécie de contato com Deus, nós seremos, de fato, humildes e felizes, sentindo o infinito alívio de termos nos livrado de uma vez por todas da absurda bobagem de nossa própria dignidade, que nos fez ansiosos e infelizes por toda a vida. Deus procura fazer-nos humildes a fim de tornar possível este momento: procura tirar uma porção de tolas e feias fantasias com que nos enfeitamos, e ficamos empertigados como pequenos idiotas que somos...
(4) Não pense que uma pessoa realmente humilde seja oque a maioria das pessoas chama de "humilde" hoje em dia; não é um tipo escorregadio e bajulador que está sempre a dizer que não é ninguém. Provavelmente a impressão deixada por quem seja verdadeiramente humilde é que se trata de alguém muito alegre e inteligente, tendo demonstrado um grande interesse pelo que você lhe contou. Se você não gostou dele, é porque você tem um pouco de inveja de quem quer que pareça gozar a vida tão facilmente. Ele não é dp tipo que pensa em humildade; aliás não chega nem mesmo a pensar muito sobre si mesmo.
A quem queira adquirir humildade, acho que posso ensinar-lhe o primeiro passo. É compreender que somos orgulhosos. E este é também um passo enorme. Bem, ao menos nada, nada mesmo pode ser feito antes disso. Se pensarmos que não somos orgulhosos é sinal de que, na realidade, somos muito orgulhoso.